“Escher era amado tanto por cientistas como por hippies”, dizem Federico Giudiceandrea e Mark Veldhuysen

Mão com a esfera refletora (1935) - O Artísta holandês desenhou a si próprio várias vezes.

Os curadores da megaexposição dedicada ao artista gráfico holandês, que aconteceu em 24/11/2017, no Museu de Arte Popular, em Lisboa, não poupam elogios a Escher, mestre das ilusões óticas.

É um desejo concretizado para muitos: poder ter a oportunidade de visitar a ambiciosa retrospetiva que apresenta duzentas obras originais de M. C. Escher (1898-1972) ao público português, numa produção da Arthemisia, empresa internacional dedicada a mostras de grande envergadura, que assim se estreia em Portugal. Escher, que abre portas ao público esta sexta-feira, 24, no Museu de Arte Popular, revela o universo de aparentes impossíveis que era o deste artista gráfico. Influenciado pela natureza, pela arte italiana e pela matemática, Maurits Cornelis Escher fez seus o trompe l’oeil, as metamorfoses, os paradoxos, os enigmas, a tridimensionalidade. Nesta exposição itinerante, acabada de chegar de Madrid, estarão patentes trabalhos icónicos como Relatividade, Belvedere, Mão com Esfera Espelhada. Juntam-se-lhes desenhos, gravuras, xilogravuras, encomendas aceites pelo artista holandês, iconografia do século XX e XXI influenciada por Escher. Investimento avultado, a retrospetiva inclui ainda jogos didáticos, laboratórios científicos e uma sala de espelhos. Um Escher para todos, seguramente. A VISÃO falou com ambos os curadores, Federico Giudicenandrea e Mark Veldhuysen sobre o criador de labirintos e puzzles.

Laço de União (1956)

Federico Giudiceandrea – colecionador e especialista na obra de Escher

Como é que conheceu a obra de Escher?

Quando era um rapaz, um estudante de liceu, talvez com 16 anos. Li um artigo sobre Escher na revista Scientific Magazine que me chamou a atenção. E reconheci a sua influência nas capas de discos de bandas de rock progressivo da década de 1970 como os Mott the Hoople e os Pink Floyd – eu era um jovem do meu tempo… Fascinou-me ele ser um artista que conseguia ser amado por pessoas tão diferentes, fossem cientistas ou hippies. Na altura, comecei por comprar posters que reproduziam os seus desenhos. Depois, quando tive finalmente possibilidades, comecei a comprar as obras originais. 

Qual é a obra preferida deste artista que tem na sua coleção? 

A primeira que comprei, Relatividade. Foi também a sua primeira obra original que encontrei: vi-a num catálogo de leilão, fui a Nova Iorque e comprei-a. É a minha favorita. E é talvez o mais conhecido e icónico dos trabalhos de Escher, em que ele demonstra toda a sua arte. 

Relatividade (1953), a obra preferida de Escher na coleção de Federico Giudiceandrea

Escher viveu onze anos em Itália. Que importância teve esta estadia no seu trabalho? 

Escher era um atento observador da natureza, tendo criado muitas paisagens no princípio da sua carreira. Com a paisagem italiana, e o conhecimento dos seus jardins, ele aprendeu muito sobre o olhar de cima ou de baixo, sobre perspetiva – algo que o fascinava. Quando abandonou Itália, e foi viver para os Países Baixos, onde tudo era flat, ele começou a olhar para dentro. Sempre que precisava de uma paisagem, recorria aos muitos desenhos que aí fizera, e que tinha guardados no atelier. Depois, Escher, que não era um matemático mas era intuitivo como são os matemáticos, começou a interessar-se por usar fórmulas matemáticas na sua produção artística. 

Também o Alhambra, em Espanha, era uma influência surpreendente para um artista holandês…

Em relação ao Alhambra, ele entendeu aí as regras geométricas da pintura, e como usá-las para descrever a realidade. E que a própria estrutura dos lugares, tal como acontece com o Alhambra, podia ser usada. Quando entendeu isto, Escher tentou ir além dos limites e das regras.

Miradouro (1958): arquiteturas italianas e paradoxos matemáticos


Que papel atribui a Escher na história da arte? 

Poder-se-ia dizer que Escher está próximo dos universos de artistas surrealistas como Magritte ou Dali, mas considero que ele é um caso único na história de arte – era um visionário. Apesar de Escher ter estado ausente dos movimentos artísticos da sua época, ele capturou, de alguma forma, as teorias científicas modernas, como a teoria da relatividade e a física quântica, que alteraram a forma como vemos o mundo. Através das estruturas das suas obras, ele dá-nos a ver a complexidade existente no mundo. 

Crê que a relevância artística de Escher foi, de algum modo, reduzida?

Tal aconteceu durante os muitos anos em que Escher não foi compreendido. Mas esta exposição demonstra que público e críticos de arte reconhecem-no como um artista que oferece emoção e um universo rico. 
Still Life and Street (1937)

 
Mark Veldhuysen – diretor-geral da M.C. Escher Company

Habituámo-nos a ver Escher como um criador de mundos fantásticos. Ao saber mais, deparamo-nos com um espírito matemático. Como vê estas duas dimensões na obra dele?

Escher era uma pessoa pragmática, mas lírica e idealista acerca das leis da natureza, alguém que tentava fazer o universo tangível. Como muitos outros, ele acreditava na regularidade do cosmos. Foi esta forma de pensar que o induziu a criar os seus trabalhos. Ele não luta com essa dualidade, o público é que se debate com essa impossibilidade nas obras. Escher diverte-se e diz: “Porque é que um chão não pode ser um teto ao mesmo tempo?” 

Escher fez um caminho próprio, distante dos movimentos artísticos do seu tempo. Considera-o um pioneiro?

Até Escher e a família trocarem a Itália pela Suíça, e depois pela Bélgica e Holanda, ele basicamente inspirava-se na natureza, fascinado pelas montanhas, vales, pela costa de penhascos de Amalfi. Itália deu-lhe a perspectiva: o alto e o baixo, o próximo e o distante. Quando ele abandonou Itália, encontrou a terrível paisagem suíça com toda aquela neve! Também a Bélgica e a Holanda, planas e vastas, não o inspiraram. Portanto, ele usou a sua imaginação e começou a criar mundos impossíveis, embora em muitos usasse influências da sua amada Itália. Escher gostava de dividir as pessoas em duas categorias: “as pessoas das emoções”, que estavam interessadas em relações e envolvimento humano; e as “pessoas da percepção”, interessadas acima de tudo nos fenômenos naturais. Embora ele devesse pertencer às “pessoas das emoções”, concluiu que era um artista numa posição especial, pois via-se como uma “pessoa da percepção”. Aos seus olhos, esta contradição era muito real mas nada podia fazer. 

Outro Mundo, xilogravura de 1947, usa uma figura do simurgh persa, ou homem-pássaro, que Escher teve no seu estúdio, preservado até hoje

Qual lhe parece ser a raiz dos puzzles e do onirismo de Escher?

A sua imaginação infantil, o seu maravilhamento com a natureza. No entanto, ele sempre sentiu que, mesmo quando acabava uma obra, esta estava sempre incompleta, nunca seria o que imaginara na sua mente. Em 1920, ele escreveu isto a um amigo: “Será possível que um mortal, ou melhor, um ser humano, possa atingir tais pensamentos infinitos e intemporais? Não consigo concebê-lo. Mas como, em nome de Deus, é ele capaz de dar-lhes forma, de exprimi-los de maneira a que façam sentido para outra pessoa?”


Como explica o fascínio e popularidade desta obra?

Escher era relativamente desconhecido para muitos, pois muitos críticos e curadores de museus de todo o mundo não consideravam o seu trabalho como arte. Mas, ao mostrar o seu trabalho em outros espaços, o público agarrou este universo e, atualmente, ele é considerado um dos grandes artistas gráficos de todos os tempos. Escher mostrou a milhões de pessoas no mundo que a realidade é maravilhosa, abrangente e fascinante. 

Puddle (1952)

Que relevância artística tem, hoje, Escher?

Acredito que a sua arte tornou a arte acessível a todas as idades e etnias, mas acredito sobretudo que ele fez arte acessível. 

 Outras imagens:


Olho (1946)
Dia e Noite (1938)
Répteis (1943)
Três Mundos (1952)

Mais Escher em:
 

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