Conhecendo o rock progressivo: uma viagem em 52 músicas
A roadtrip é longa, variada, mas uma delícia
Durante
muito tempo, o rock progressivo passou por um período de desvalorização
junto a mídia e em diferentes nichos musicais. Ainda que resistisse
bravamente, o estilo passaria anos estigmatizado como música de "velho" e
"maluco", ou carinhosamente reconhecido pela imprensa como "a fase mais
nauseabunda do rock" (André Barcinski), que se estenderia até os
primeiros anos do século XXI.
As críticas, contudo, mesmo muitas vezes exageradas e agressivas, não foram de todo incoerentes.
Sim, o estilo ofereceu algumas bandas tecnicamente impecáveis, mas com pouco feeling, lançando trabalhos pretensiosos e vazios; e, sim, muitos músicos e (principalmente) fãs adotaram uma postura pedante e elitista, colocando o gênero como uma espécie de “rock superior”, o que atraiu (e atrai) antipatias desnecessárias para o gênero.
Mas, apesar de alguns equívocos, o estilo ofereceu também trabalhos de qualidade e discos importantes para o desenvolvimento e evolução do rock a partir dos anos 1960.
Demorou, mas o filé mignon do gênero está novamente recebendo uma avaliação mais generosa e não tão agressiva da mídia musical norte-americana, europeia e, em menor medida, brasileira (não contando a inserção do seu grupo mais bem-sucedido, Pink Floyd, na cultura pop).
Cheguei a escrever, em 2007, um breve artigo sobre a evolução do estilo e especulando sobre algumas das características que poderiam ajudar a identificar esse gênero musical.
O consenso é difícil, mas alguns acabaram sendo absorvidos pelos fãs e crítica: filhote da psicodelia da segunda metade dos anos 1960, o mesmo consiste em bandas com influência da música clássica/erudita, jazz e do "avant-garde", usando alguns conceitos desses estilos em sua música, além de outras características como, por exemplo, longas faixas e quebras de tempo.
Ressalta-se também que o estilo teve várias facetas: o que
foi apresentado na Inglaterra diferiu do que foi produzido na Alemanha e
Japão, sendo que muitos fãs e críticos, durante os anos 1970 e 1980,
pra complicar mais as coisas, colocavam todas essas propostas num mesmo
saco.
Resolvi, aproveitando que o estilo está sendo lentamente redescoberto, e
pensando nos leigos e fãs iniciantes que querem conhecer algo além dos
medalhões (mas aviso, vários estarão listados), fazer uma lista de 52
músicas na qual apresento uma jornada sobre a evolução e principais
derivações do gênero.
N.A.: O critério escolhido para a divisão dos tópicos baseou-se em classificações realizadas pela crítica musical e em espaços localizados na web, subdivisões essas visíveis, por exemplo, no link da Wikipédia sobre o estilo.
Entre 1966-69, o rock, em sua versão psicodélica, começava a expandir seu horizonte musical. Nesse período, bandas como Beach Boys, Beatles, Nice, Procol Harum, Pink Floyd, Grateful Dead, entre outros, arriscaram uma inter-relação do rock com outros estilos, usando de efeitos e truques que os estúdios da época ofereciam (ecos das vertentes vanguardistas francesa e alemã em voga nos anos 1960).
Um dos exemplos da psicodelia que, em breve, despontaria para o rock progressivo.
Ponto alto de “Tommy”, um dos precursores dos álbuns conceituais, mostrando um The Who mais ousado, amadurecido, e sem perder o feeling característico.
Para muitos o “marco zero” do rock progressivo, vindo de um inquieto quinteto londrino com poucos meses de existência.
Oriundos da (nos anos 1960) efervescente cidade de Canterbury, o grupo foi um dos precursores do rock progressivo de vanguarda, transitando entre o rock, free jazz e fusion.
Do quarto disco, Aqualung, que fez do Jethro o primeiro grupo progressivo a entrar no hall dos medalhões, a canção mescla, com eficiência, uma sonoridade folk com elementos do Hard Rock.
O carro-chefe do rock progressivo. Aqui o estilo obteve maior notoriedade, sucesso comercial, e os piores ataques dos punks e imprensa musical.
O subgênero, nos últimos anos, recebeu avaliações mais amistosas, nas quais não são ignorados alguns erros, mas os acertos são valorizados.
Sinfônico pode ser relacionado a orquestração e elementos eruditos? Pode. Mas nossos amigos holandeses mostram que o subgênero também pode ter pegada e peso.
A melhor formação da banda (Rick Wakeman, Chris Squire, Jon Anderson, Steve Howe e Bill Brufford), na minha opinião, mostrando sua qualidade sonora.
Pretensiosos, muitas vezes arrogantes, mas que compensavam misturando, de forma agressiva, diferentes estilos e propostas musicais.
Um dos momentos de melhor coesão da formação clássica do Genesis (Peter Gabriel, Mike Rutherford, Tony Banks, Steve Hackett e Phill Collins).
Canção produzida no ápice criativo do grupo, evidenciando seu entrosamento (e ambições).
Canção na qual se destaca o bom gosto dos arranjos e o vocal de Annie Haslam.
Representativa canção de um dos grupos ícones do subgênero.
Quando o progressivo sinfônico entrou em crise no fim dos setenta, foi parcialmente recuperado no que foi chamado de “novo sinfônico”, percebido em bandas suecas nos anos 1990.
Oriundo dessa cena, o Änglagard é um dos poucos grupos de rock sinfônico pós anos 1970 que merece ser ouvido.
Faixa que melhor captou a proposta musical da banda, que misturava passagens lisérgicas e experimentais com pesadas pegadas no hard rock. Destaque para o potente baixo de Lemmy Kilmister.
A fase espacial da banda, centralizada na trilogia Radio Gnome (1973-74), tem nessa canção doses bem administradas de fusion e experimentalismo.
A bela e melancólica homenagem da banda a seu fundador, Syd Barrett, está entre os melhores trabalhos que o Floyd produziu.
O grupo alemão transitou entre diferentes vertentes, do hard-rock ao progressivo sinfônico. A faixa acima é uma das melhores da fase espacial do grupo, centralizada no disco Ocean.
Os anos 1980 foram, no geral, barra pesada para o rock progressivo. Mas uma molecada corajosa resolveu unir elementos progressivos com o pop, synth rock e o new wave da época. Os resultados, no geral, foram medianos, mas houveram exceções.
Único grupo neoprog a (merecidamente) ter obtido sucesso comercial na década de 1980, o Marillion teve alguns hits, como “Kayleigh”, “Lavender” e a faixa acima .
IQ foi outra banda neoprog a oferecer bons trabalhos nos anos 1980 e 1990. Narrow Margin é o ponto alto do melhor disco do grupo, Subterranea.
Grupo que uniu elementos do progressivo sinfônico com a musicalidade regional húngara (em especial Béla Bartók), proposta essa bem recebida pela cena progressiva nos anos 1990.
O Spocks Beard apresentou boas opções de renovação tanto para o neoprogessivo quanto para o sinfônico, além de revelar o vocalista Neal Morse, atualmente ligado a música gospel.
Grandioso projeto unindo Mike Portnoy (Dream Theater), Neal Morse (Spocks Beard), Pete Trewavas (Marillion) e Ronnie Stolt (Flower Kings), onde não falta virtuosismo em suas canções.
Os anos 1990 revelaram o talentoso Steven Wilson, que, com o Porcupine, serviu de ponte entre o progressivo clássico e estilos musicais mais modernos, ajudando a renovar o gênero.
Alemanha: um país dividido, tendo uma relação ambígua com a ocupação e cultura estadunidense, somados a um clima político instável (que eclodiria em grupos terroristas como Baader-Meinhof), e experimentos da música concreta francesa e dos compositores nativos Stockhausen e Koenig com considerável repercussão.
Foi nesse ambiente que a cena psicodélica da antiga Alemanha ocidental estava inserida, que desembocaria numa proposta progressiva diferenciada e experimental, chamada pela crítica musical da época de Rock Chucrute (Krautrock).
Grupo com dois ex-alunos de Stockhausen (Holger Czukay e Irmin Schmidt), além do vocal caótico de Damo Suzuki, apresenta diversificadas influências musicais, do funk a pitadas da música vanguardista alemã.
Do duo Klaus Dinger e Michael Rother, evidencia o lado agressivo, quase punk do grupo, explicando sua posterior influência nas cenas pós-punk e alternativa (vistas, por exemplo, no Joy Division e Sonic Youth).
Climática, Phaedra foi um dos trabalhos da banda mais influentes e reconhecidos no meio eletrônico (seguido por outros bons álbuns durante os anos 1970).
Música de transição, onde o Kraftwerk se afastava do som experimental/ Krautrock e sinalizava a sonoridade eletrônica que consagraria a banda nos anos 1980.
Faixa que apresenta a proposta musical oferecida pelo tecladista francês.
Brian Eno, principal precursor do subgênero, seria a escolha óbvia, mas indico um de seus mais talentosos pupilos, com um trabalho referência tanto para a música ambiente quanto para meditação.
Ao desbravar a cena italiana, ouvi duas opiniões divergentes: de um lado, que o progressivo sinfônico da Itália rivalizou, e por vezes até superou, o produzido na Inglaterra; e de outro, que a cena foi irregular, com muitas bandas medianas ou de folego curto.
Pra evitar entrar na polêmica, indico dois bons exemplos sobre esse cenário.
Canção que mostra o porquê do PFM ser considerado o principal ícone italiano do progressivo.
Do segundo disco da banda, o conceitual “Darwin!”, a canção prima pelo bom gosto dos arranjos e o vocal de Francesco Di Giacomo.
Em março de 1978, em Londres, e em abril e setembro de 1979, respectivamente na Itália e Suécia, eram realizados os festivais “Rock In Opposition”, que apresentavam um conjunto de bandas que seguiram por uma proposta artística, comercial, sonora e política contrária a que alguns grupos “medalhões” progressivos seguiam.
Dessa cena saíram músicos (por exemplo, Fred Frith e Chris Cutler) que participaram de diferentes propostas vanguardistas europeias e norte-americanas, chegando a manter relações com músicos punks, em cenários ligados a No-Wave.
Do último trabalho em estúdio do grupo ícone do Rock In Opposition, de difícil digestão, mas que merece ser ouvida.
O grupo belga ofereceu ideias interessantes, como, por exemplo, unir elementos do avant-garde com a música neoclássica, em especial Stravinski. A canção acima apresenta muito da proposta oferecida pela banda.
Com misturas que vão do jazz ao grindcore, o projeto foi liderado pelo saxofonista John Zorn, importante nome da vanguarda estadunidense nos anos 1990 e 2000.
O baterista francês Christian Vander, no fim dos anos 1960, começou a desenvolver uma interessante proposta musical que unia psicodelia, música neoclássica (em particular Carl Orff) e elementos jazzísticos, contando a história do planeta Kobaia, cantada na língua, construída por Vander, “Kobaïan”.
A proposta atingiria sua maturidade e coesão em seu terceiro disco de estúdio, Mëkanïk Dëstruktïẁ Kömmandöh, considerado uma das principais obras do subgênero.
Entre os seguidores de Vander, cita-se o prolífico baterista japonês Tatsuya Yoshida, que com o Ruins e outros projetos paralelos, uniu o Zeuhl ao avant-garde, math-rock e noise-rock, revitalizando o estilo.
Liderado pelo guitarrista Kawabata Makoto, o Acid Mothers Temple é um projeto que busca unir diferentes músicos vanguardistas japoneses e, ocasionalmente, trabalhando em conjunto com artistas progressivos europeus e norte-americanos. A faixa acima é um dos trabalhos mais acessíveis da banda.
O rock progressivo paquerou com o hard rock desde os primórdios de 1970. Mas, na maioria das vezes, os resultados finais ficavam apenas nos flertes, ou em trabalhos não tão inspirados. Porém, hoveram exceções.
A melhor formação do Uriah Heep em um de seus melhores momentos em estúdio.
Uma das músicas que melhor mostrou as ambições artísticas do grupo, e onde suas várias influências (T-rex, Led Zeppelin, Cream, Slade, Yes) conseguem ser ouvidas.
O trio canadense apresentando considerável interação e boa forma.
Foi no metal progressivo (ou prog metal), a partir dos anos 1990, que mais pessoas se tornariam adeptas ao progressivo. Porém, o subgênero também sofre críticas de ser uma diluição do que foi o “verdadeiro” rock progressivo.
Atualmente, a inserção do prog metal na seara progressiva está consolidada, sendo que alguns grupos clássicos (Yes, King Crimson) já excursionaram com bandas do subgênero.
Faixa que encerra a saga do drogado e assassino Nikk no disco conceitual Operation Mindcrime, mostrando que o heavy metal e o rock progressivo poderiam ter uma parceria, trocando informações e influências.
Da profícua, porém irregular, carreira do grupo, a ótima canção é um porto seguro para conhecer a banda.
Atheist foi o precursor, mas o Cynic foi quem consolidou a junção entre o death metal e o progressivo, num trabalho pesado, virtuoso e técnico.
Com um tema relacionado a civilização Atlântida, e incursões na música clássica em partes da obra, a canção evidencia o potencial artístico da banda.
Representativa canção do grupo que melhor realizou a junção entre o death metal e o progressivo, graças, em parte, ao talento do seu líder Mikael Åkerfeldt.
Muito da reavaliação do progressivo nos anos 1990 deve-se
as cenas do rock alternativo e indie, que, não escondendo influências no
krautrock, space rock e ambiente, incluiu elementos progressivos em sua
sonoridade.
Diretamente influenciados pelo King Crimson dos anos 1980, o grupo foi um dos primeiros a arriscar uma junção entre o alternativo e o progressivo.
Um dos melhores momentos do Radiohead, mostrando qual sonoridade teria sido obtida se Pink Floyd e Queen tivessem unido forças com o Nirvana e Pixies.
Ótimo ponto de partida para conhecer o post rock, sendo um bom resumo de suas várias virtudes (e alguns vícios).
Há um certo consenso em classificar o som do Mars Volta como progressivo, apesar de, ironicamente, suas diferentes misturas sonoras dificultarem uma classificação mais precisa pro grupo. “Cygnus” evidencia essa (bem vinda) confusão musical.
Outra banda que a crítica sofre para classificar (já foi rotulada tanto de “New Alternative” quanto de “New prog”), o que não impediu que tivesse sucesso comercial e oferecesse bons trabalhos, como, por exemplo, a canção acima.
O multiplatinado Tubular, primeiro disco do produtivo multi-instrumentista inglês, até hoje surpreende pela sofisticação sonora e a ousada mistura entre o rock e a música minimalista.
Um dos pouquíssimos grupos de progressivo poupados, e até elogiados, pelo movimento punk nos anos 1970, o VDGG destoa um pouco dos medalhões, seja pelo instrumental enxuto, seja pelas letras do vocalista Peter Hammill.
Brasil e América Latina acabaram ausentes nessa lista, e ficarão para uma próxima oportunidade. Senta aqui do lado, fica a vontade para elogios, críticas ou sugestões sobre a lista nos comentários.
A playlist completa pode ser visualizada aqui.
Por Roberto Lopes - "Arquivista, professor universitário e pseudo escritor de música nas horas vagas."
Fonte: https://papodehomem.com.br/conhecendo-o-rock-progressivo-uma-viagem-em-52-musicas
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