Na trilha de Menehune

Detalhe do trabalho "77 Menehune" de Dietrich Varez

Acredita-se que eles sejam a antiga raça do Havaí. Em uma busca por suas origens mitológicas, uma escritora se dedica em olhar sob cada pedra de sua história.

Nunca esperei ouvir o que acabara de ouvir: há pessoas em Kaua'i que afirmam ser descendentes de Menehune. Desliguei o telefone depois de falar com o diretor executivo do Museu Kaua'i e minha cabeça começou a girar com perguntas sobre a raça mítica de pessoas do Havaí. Foi uma revelação que eu não pensei ser possível quando comecei a pesquisar as lendas. Agora estou olhando para o nome e o número de telefone de uma pessoa com ascendência Menehune para quem me disseram para ligar em seguida.


Muitas vezes retratado em contos supersticiosos destinados a crianças, Menehune recebe uma má reputação como a versão havaiana do bicho-papão. Gerações de keiki (pequeninos) têm sido assombradas por avisos sobre eles: não fique na rua depois do anoitecer, senão o Menehune vai te pegar. Não irrite um Menehune ou você será transformado em pedra.

Na outra extremidade do espectro, Menehune são considerados como personagens fofinhos, como os Smurfs. Em seus papéis como mascotes escolares ou logotipos de empresas de água, eles são caricaturados como miniaturas de havaianos com sorrisos brancos perolados vestidos com malo vermelho (tanga) e mahiole vermelho (capacetes) fazendo shakas (cumprimento havaiano, tipo "hang loose").


Mas o que aprendi, com meus professores do ensino médio e anos lendo sobre Menehune, é que sua história é bastante complexa. Existem inúmeras teorias sobre essa raça de pessoas, incluindo algumas que argumentam que elas eram reais. A ideia de Menehune como anões animados dominou a imaginação popular por mais de um século, mas como a maioria das coisas, há um outro lado nessa história.

Os registros históricos havaianos eram passados por tradição oral, então não há nada escrito sobre Menehune antes do contato com a Europa. Do final do século 19 ao início do século 20, quase todo o material escrito sobre Menehune vem de "não havaianos". A maioria dessas histórias foi reunida e publicada pelo político havaiano William Hyde Rice, no livro "Hawaiian Legends" e por Thomas Thrum, o compilador e editor do periódico "Hawaiian Almanac and Annual".

Quase que ao mesmo tempo em que as publicações de Rice e Thrum estrearam, "The Brownies", um livro do ilustrador e escritor canadense Palmer Cox sobre homenzinhos travessos como fadas inspirados no folclore escocês, estava atingindo o pico de popularidade. “The Brownies”, lançado no final da década de 1870, era adorado nos Estados Unidos, na Europa e no Havaí durante a década de 1910. Essa popularidade influenciou também a histórias e a imagem de Menehune.

 


Foi em 1895 quando Thrum, que nasceu na Austrália e imigrou para o Havaí em 1853, imprimiu pela primeira vez relatos de fontes nativas sobre a "raça dos anões" chamada Menehune em seu almanaque. Isso lhe rendeu o apelido de “Pai dos Menehunes”. Thrum e Rice também publicaram relatos descritivos da aparência de Menehunes com base em duas histórias traduzidas. Um era de J.A. Akina, que os descreveu como um povo pequeno de cerca de dois a três pés de altura(entre 60 e 90 cm de altura), e o outro era de J. H. Kaiwi, cujos avós os descreveram como baixos e redondos, com pele vermelha, corpos peludos e olhos grandes escondidos por sobrancelhas espessas. Contos do início do século 20 como esses moldaram a imagem moderna de Menehune

Embora Thrum frequentemente comparasse Menehune a "The Brownies", e chegasse ao ponto de chamar o Havaí de "a casa original dos Brownies", um relato de Moke Manu que Thrum traduziu e publicou no "Hawaiian Almanac and Annual" descreve a raça como o “Povo Original das Ilhas Havaianas”. Isso corrobora com outra teoria, baseada na tradição oral dos havaianos, de que os Menehune, já viviam nas ilhas antes do século 11 e antes da migração de polinésios do Taiti para aquela região.

O Vale Wainiha, na ilha de Kaua'i, foi o lar do último Menehune registrado. Isso é confirmado através dos dados do primeiros censo do reinado do rei Kaua'i Kaumuali'i, que morreu em 1824. "Laau, dos Menehunes, 65" foi tudo o que foi observado pelo Konohiki, ou o chefe de um Ahupua'a (região administrativa), que contou a população que vivia na comunidade de Lā'au.

Vala Kīkīaola
Alekoko Fishpond

Não há nenhum outro documento oficial conhecido que coloque o Menehune em qualquer uma das outras ilhas havaianas. No entanto, há feitos de engenharia espalhados por todo o estado que são creditados a eles, como Ulupō Heiau em Kailua em O'ahu, Alekoko Fishpond (também conhecido como Menehune Fishpond) em Līhuʻe em Kaua'i e a vala Kīkīaola em Waimea, no Kaua'i.

Eu visitei a vala Kīkīaola algumas vezes. Sua construção rochosa é diferente de qualquer outra no Havaí, com blocos de basalto lisos e bem cortados. Também atípicos na construção havaiana são os artefatos de pedra deixados em Mokumanamana, também conhecida como Ilha Necker, no noroeste das Ilhas Havaianas. Mokumanamana é descrito nas lendas como tendo sido um refúgio para Menehune.

“Muitas histórias ligadas a Menehune dizem que eles têm a capacidade de criar coisas da noite para o dia, como estruturas de pedra, viveiros de peixes, todos esses tipos de coisas”, diz Marques Marzan, consultor cultural do Bishop Museum de Bernice Pauahi*, quando liguei para descobrir se no museu tem algum artefato de Menehune. Ele acredita que os traços sobrenaturais associados a eles vêm justamente desses feitos aparentemente mágicos.

* Bernice Pauahi Bishop KGCOK RoK (19 de dezembro de 1831 - 16 de outubro de 1884), nascida Bernice Pauahi Pākī, era uma aliʻi (nobre) da Família Real do Reino do Havaí e um filantropa conhecida. Quando ela morreu, sua propriedade era a maior propriedade privada de terras nas ilhas havaianas, compreendendo aproximadamente 9% da área total do Havaí. As receitas dessas terras são usadas para operar as Escolas Kamehameha, que foram estabelecidas em 1887 de acordo com o testamento de Pauahi. Pauahi era casada com o empresário e filantropo Charles Reed Bishop.

Alguns dias mais tarde visitei o Salão Havaiano do Bishop Museum, para ver uma concha chamada Kihapū. É também a única coisa na coleção do museu que Marzan pensa estar relacionada a Menehune, e o único objeto físico que ouvi associado a eles que não tem nada a ver com engenharia. “Foi ordenado pelo Alto Chefe Kiha que Puapualenalena, um cão sobrenatural, o pegasse do Menehune e o entregasse a ele”, explica Marzan.

 

 

A concha me surpreendeu, pude ver o quanto é extraordinária. Tem pelo menos o dobro do tamanho das conchas já que vi, e sua superfície é tão incrivelmente lisa que produz um brilho prateado. De fato tem uma qualidade sobrenatural, pelo menos me pareceu. A vejo brilhar e me pergunto quais são suas habilidades mágicas.

Em seguida, faço a Marzan uma pergunta que há muito tempo está em minha mente: o Bishop Museum possui alguma evidência arqueológica, na forma de restos de esqueletos que sugira uma população de pessoas pequenas? Tendo tido milhares de esqueletos havaianos sob seus cuidados, descobertos em décadas de escavações por notáveis ​​arqueólogos e antropólogos que ali passaram, em campo, estudando a história das ilhas havaianas, o museu pode pelo menos encerrar o debate sobre as pessoas em miniatura que moraram aqui, imaginei. “Não foram encontradas restos de esqueletos de pessoas pequenas na cadeia de ilhas”, ele responde.

Com essa parte do quebra-cabeça resolvida, continuo minha busca por respostas. Minha intuição me diz que eu precisava olhar mais atentamente para Kaua'i. Afinal, o último censo que os cita foi feito naquela ilha.


A ilha também é o cenário de uma das histórias mais fascinantes de como os Menehune partiram do Havaí. De acordo com Akina, em Hawaiian Legends de Rice, meio milhão de Menehune se reuniu na ilha de Kaua'i para um grande êxodo depois que o rei de Menehune, preocupado com o número de casamentos entre mulheres havaianas e homens Menehune, decidiu que era melhor ir embora para manter sua raça pura. Os homens não tinham permissão para levar esposas havaianas ou filhos dessa união com eles. Um homem, Mohikia, protestou. Ele pode ser o motivo pelo qual algumas pessoas reivindicaram Menehune como sua raça no censo de Lā'au. Talvez outros desobedeceram ao rei e também ficaram para trás. Ou talvez fossem as crianças meio Menehune que foram deixadas por ali que foram contadas. Assim seguem as teorias.

Ligo para a Kaua‘i Historical Society para obter informações sobre Menehune e descobrir se têm uma cópia do censo de Kaumuali'i, mas tudo que consigo é uma risadinha da pessoa que atende. Me indicaram pesquisar os Arquivos do Estado do Havaí. Ao invés disso, liguei para o Kaua‘i Museum, e assim consegui acessar a grande descoberta de Chucky Boy Chock, o diretor executivo do museu, que me fez esquecer de tudo: o nome e o número de telefone de um homem que afirma ser parte Menehune.

Antes de ligar, Chock me avisa que algumas famílias que afirmam ter Menehune como ancestrais evitam falar sobre isso publicamente. Com mais de um século de histórias no imaginario popular - e a maioria delas bastante inacreditáveis ​​- empaticamente compreendo. Minhas mãos apertam nervosamente o celular enquanto ligo para alguém cuja linhagem familiar vem do Vale Wainiha, Kaua'i. O telefone toca. Espero que quem atenda esteja disposto a compartilhar a história de sua família comigo, uma completa estranha.

Ele responde. Digo que Chucky Boy havia me dado seu contato.

 


“Manahune está misturado em nossa linhagem”, diz ele sobre sua família. Não há hesitação em sua voz. “O nome verdadeiro é Manahune, não Menehune. Menehune é como os primeiros colonos os chamavam, porque eles não podiam dizer ou pronunciar. Mas Manahune é o nome verdadeiro. Não tenho muitas histórias, apenas sei muito sobre elas. Basicamente, o Manahune era um povo vindo de Ilhas Marquesas, o primeiro povo do Havaí. Então, os havaianos nunca gostaram deles, e os expulsaram para as montanhas. ” A ligação termina porque ele tem que voltar ao trabalho. Embora ele sugira que eu ligue de volta, quando o faço, ele não me atende mais.

Alguns dias depois, encontro outra pista.

Aletha Kaohi nasceu e foi criada no Vale Waimea em Kaua'i. Agora com 88 anos, ela é gerente do West Kaua‘i Visitor Center. Descobri seu nome em um panfleto de divulgação de um evento de talk-story com a Kaua‘i Historical Society sobre os "Contos de Menehune".

O que não sei quando faço a ligação é que sua linhagem é havaiana e Menehune. Quando o pai de Kaohi tinha cerca de 90 anos, ele passou para ela o conhecimento genealógico e cultural que possuía. “Após sua morte, quando estava muito doente, ele me disse:‘ Você tem que contar a nossa história. Nossa história é diferente. Nossa história é do povo antigo '”, disse Kaohi para mim. Sua voz é doce, mas seu tom é sério, pois se trata de algo de suma importância em sua vida.

“A ideia ocidental de Menehune é que eles são míticos. Não existem povos pequenos no Havaí. Os arqueólogos vão te dizer isso. Não há vestígios de uma raça de pessoas muito pequenas ”, disse Kaohi. “Menehune foram as primeiras pessoas. E eu sou um descendente das primeiras pessoas. Minha bisavó traça sua linhagem até as Marquesas. ” Ela acredita que os ocidentais criaram as histórias de Menehune como pessoas pequenas, produzindo essa falsa representação deles. “Eles podem ter sido menores em estrutura, mas eram pessoas fortes e comuns”.

Kaohi, como o homem com quem falei antes, acredita que os primeiros colonos de Kaua'i viajaram para o Havaí das Ilhas Marquesas, no Pacífico Central. Mas Manahune, diz ela, é uma palavra taitiana para comuns. (A palavra marquesana para comuns, ou plebeus, é a mesma que a havaiana, no caso maka'āinana).

“Acredito que o nome Menehune foi dado pelos taitianos”, diz ela.

“Os taitianos já foram conhecidos como Manahune. Eles carregavam o nome com honra até o Taiti ser conquistado por guerreiros da [the Society Island of] Ra'iātea, quando assumiu um significado muito diferente. ” Segundo ela, “manahune” tornou-se então sinônimo de uma classe inferior oprimida. Mais tarde, quando os taitianos migraram para o Havaí e encontraram pessoas morando lá que tinham vindo das Ilhas Marquesas, repetiram o que aconteceu com eles. Eles chamaram esses habitantes que eles derrotaram de "Manahune".

 


 

“Por que você acha que isso não foi muito ensinado?” Eu pergunto a ela.

“As pessoas adoram essas histórias míticas”, diz ela. “Você tem que mostrar a eles os fatos. Por outro lado, a cultura havaiana foi suprimida até os anos 1970. Totalmente suprimido. Eu digo às pessoas, os havaianos eram invisíveis.” Sua própria família de kāhuna ‘anā'anā, ou feiticeiros, teve que parar de praticar quando a religião havaiana foi proibida no início de 1800. “Eu diria que em 20 anos, a história do Havaí será reescrita a partir de traduções de jornais havaianos”, acrescenta ela. “Nossa história foi escrita por um homem branco, não um havaiano, mas os havaianos escreveram artigos usando o que chamamos de significado oculto das palavras. Os havaianos entendiam esses significados ocultos. Os missionários não.”

Por enquanto, ela compartilha suas histórias sagradas em palestras públicas e sugere que todos compartilhem as suas, a fim de preservar a cultura, história e tradições havaianas e trazer à luz novas interpretações e descobertas sobre o passado.

Eu fico por aqui, envolta em pensamentos e maravilhas depois de ouvir a história de Kaohi. Como ela, espero ver uma nova história do Havaí reescrita nos jornais um dia. Ouvindo sua convicção, não posso deixar de acreditar na autenticidade da história de sua família, transmitida oralmente por gerações na tradição havaiana. No entanto, as teorias sobre o Menehune continuarão a ser discutidas, a menos que surjam novas evidências. Espero que isso não impeça outros nativos havaianos de contar suas próprias histórias com orgulho e, por fim, reivindicar o que significa ser Menehune.

Por Christine Hitt - Imagens por Christian Cook

Tradução: Wong Fei Hung

Fonte: https://fluxhawaii.com/chasing-menehune/

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